Escrito por F. Boehl e Phelipe Cruz




::Arquivo


Rio de Janeiro, Brasil



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Os restaurantes do Leblon estavam sempre lotados. Especialmente aqueles em que Alfredo costumava almoçar. Cheios de pessoas, bolsas, mochilas e sacolas. Grande parte das mulheres chegava tarde e marcava o lugar na mesa antes de se servir. Não tinha coisa mais irritante para Alfredo do que ter que procurar, com a bandeja na mão, por um lugar vazio. E quando achava, lá estava uma bolsa pomposa guardando o território. Ficava vermelho de raiva. Por um tempo, tentou relevar, mas não conseguiu. Quando estava de bom humor, simplesmente trocava as bolsas de lugar. Nos dias de fúria, derrubava pratos inteiros, bem caprichados no feijão, nas bolsas inconvenientes. Numa segunda feira, no Spoleto, derramou todo o seu fetuccini ao molho branco nas mochilas de umas estudantes. Fingiu acidente e se serviu de novo. Desta vez, com o molho bolonhesa, que tingiu de vermelho-sangue a bolsa de uma velha:
- Nossa, como estou desatento hoje.

Alfredo era gordo. E muito feio. Usava óculos de aro grosso, com lentes pesadas e pochete. Transpirava bastante e sempre carregava um crachá da Telemar pendurado no pescoço. Normalmente, quem sentava para comer ao seu lado, apressava a refeição. Alfredo tinha respiração ofegante e comia com a boca aberta. Numa sexta-feira, uma loira de tailleur chegou a ter ânsia de vômito. Emputecida, chamou o gordo de porco nojento e saiu pisando duro. Alfredo deu de ombros, terminou de engolir uma almôndega inteira e voltou pra fila. Quando retornou, uma bolsa estava em seu lugar. Já era provocação. Ele encarou a bolsa e ela o encarou de volta. Não pensou duas vezes. Largou o prato na mesa, seqüestrou a bolsa, agarrando-a pela alça como se a estrangulasse e saiu do restaurante sem ninguém perceber. Andando pela rua, ria sozinho. Sentia-se feliz, leve. Resolveu abrir a bolsa. Dinheiro, cartão de crédito e celular. "Pô, me dei bem!"

Roubar bolsas em restaurantes virou um hobby lucrativo para Alfredo. Por meses, se aproveitou de mulheres incautas que deixavam suas vitor-hugos dando sopa. Fez muito dinheiro. Disse para Suzana, sua esposa, que tinha sido promovido e que agora ganhava bem. Com o sucesso financeiro, passou a comer mulheres que antes nunca olhariam duas vezes para ele (inclusive a loira de tailleur). Cheio de si (e de dinheiro), deu um pé na bunda da mulher e se mudou para Copacabana. A felicidade durou pouco. Os donos de restaurante do bairro, mais espertos, logo perceberam e deram um fim no esquema do vagabundo.

Alfredo passou dois anos depois na cadeia. Desamparado e com sua pequena vida totalmente destruída, até em suicídio tinha pensado. Para sua surpresa, no dia da soltura, a ex-mulher o esperava na saída. Foi recebido de braços abertos. Alfredo e Suzana voltaram a viver juntos. Traumatizado, passou a almoçar sempre em casa. Suzana cozinhava. E antes de servir a comida ao marido, sempre escarrava no prato.



 
- Quem tem letra bonita?
Mesmo sem saber para que era, Priscila se prontificou. Armando, gerente do supermercado, tinha demitido o letrista e precisava de alguém para fazer os cartazes de preço. Priscila, que era caixa, acabou acumulando a função.

O primeiro cartaz que fez, não gostou. Achou sem graça.
- Não acha que tá faltando alguma coisa, Rita?
Rita, que era caixa também, não falou nada. Era amarga. Tinha um diploma de publicitária da Estácio e nunca exerceu a profissão. Aos 30 anos, trabalhava no supermercado perto de casa. Murmurou "enfia esse cartaz no cu, sua puta" e continuou passando as compras da velha pelo leitor ótico.

- Oferta maluca! - gritou Priscila, entusiasmada com a própria criatividade - como é que não pensei nisso antes?

Quando mostrou o cartaz pro gerente, ele adorou a idéia. A partir de então, Priscila ficou encarregada da publicidade do supermercado. Frases geniais como "No nosso aniversário quem ganha é você" e "Carnaval do preço baixo" passaram a decorar a fachada do estabelecimento. Sempre que a garota bolava uma frase nova, gritava como da primeira vez. Rita só punha o dedo na goela como quem forçava o vômito e pedia para morrer.

Na semana passada, Priscila se reuniu com o gerente numa saleta para discutir a nova campanha. Ele queria algo de impacto, que chamasse a atenção dos clientes. Após alguns minutos, começaram a ouvir os já famosos gritos:
- Superofertas imperdíveis! Preços arrasadores!
A gritaria parava por uns tempos e logo voltava:
- Loucura total de preços!
Com as mãos nos ouvidos, Rita implorava por um fim rápido e indolor.
- O gerente enlouqueceu!
Rita, amarga como sempre, comentou com o empacotador:
- Mais uma idéia idiota dessas e eu corto meus pulsos.

O corpo carbonizado de Priscila só foi encontrado na manhã seguinte. O gerente continua foragido. Rita, que ficou incumbida de fazer os novos cartazes, desabafava:
- Eu queria usar "queima total", mas acho tão clichê...


 
Norma segurou a cabeça de Bete e olhou firme em sua direção. Tirou um cigarro da pochete, acendeu e depois de uma longa tragada, pôs-se a falar.
- Bete, minha Bete... Depois de tudo que a gente passou eu posso bater a mão no peito e dizer que sou feliz.
Norma estava estranha. Ela não tinha vocação para falar. Mal sabia grunhir.
- Sei que você largou tudo por mim. Aquele marido babacão, seus filhos ingratos, sua carreira de web designer. Perdeu todas as suas amigas, aquelas patricinhas filhas-da-putas. Eu sei que elas me odiavam, mas tudo bem. Eu sou maior que isso.
Enquanto falava, alisava a fronte da companheira com um carinho incomum. Norma não era disso. Era bruta, quieta e preferia ficar na garagem polindo seu Uno. Continuou seu monólogo.
- Eu sei que eu às vezes sou estúpida. Que bebo demais. Que fico doidona. Eu sei que já te mandei duas vezes para o pronto-socorro. Mas você tem que entender que fiz isso por amor. Morro de ciúmes. E não consigo sequer imaginar viver longe de você.
Os olhos de Norma estavam cheios de lágrimas. Ela aproximou o rosto de Bete e deu um beijo afetuoso.
- A gente foi feita para ficar juntas para sempre, meu amor. Custe o que custar.
Ainda com os olhos marejados, Norma esboçou um sorriso. E devolveu o crânio de Bete para dentro da gaveta de onde havia o tirado.



 
Andréia vivia reclamando do marido:
- O Márcio é um banana. Vinte e oito anos e parece que tem quarenta.

Tá certo, ele era meio caído. Calvo, com óculos fundo-de-garrafa e sempre com roupas formais. Quando eles se conheceram, tinha alguns fios de cabelos a mais e recém tinha passado em um concurso para procurador. O salário alto, aliado à pouca experiência do cara, funcionou como afrodisíaco para Andréia.

Mas agora, vivia insatisfeita. Sentia-se desperdiçada. A mulher era um monumento esculpido em horas de academia. Andréia decidiu que aquilo não podia continuar assim. A velhice não era muito distante e ela não podia desperdiçar o que lhe restava de juventude com um otário daqueles. Passou procurar ativamente por um amante. Por um tempo, ficou caçando na internet. Depois de várias decepções com nerds barrigudos de todas as idades, resolveu que na vida real encontraria o que tanto procurava. Passou a sair à noite todos os fins de semana. E ai do Márcio se ele reclamasse.
- Eu não sou tua prisioneira. Eu quero sair e ver gente!

Márcio, que era um banana mesmo, não fazia nada. Sentava-se diante da tevê e ficava vendo Discovery Kids enquanto a mulher vadiava por aí.
Tanto Andréia procurou que achou. Marcão era tudo o que ela queria: alto, sarado, suado, marrento e filho-da-puta. A mulher ficou louca. Na primeira noitada no motel, até fisting rolou. Sentia-se preenchida, de corpo e alma.

O único problema é que Marcão não era nada fiel. Topava qualquer coisa. Homens, mulheres, crianças e animais. Andréia se conformava. Quando as amigas (as poucas que sobraram) insistiam que ela voltasse para o Márcio e largasse aquele galinha de uma vez, ela, chorando, respondia:
- Nunca, o Marcão é meu. Eu sou a única que agüenta até o talo.


 
Julieta conheceu Romeu na academia. Era o instrutor de musculação dela. "Um deus grego", foi como ela o descreveu para Marquinhos, seu melhor amigo, que logo botou pilha:
- Vai fundo, garota. Se fosse eu, já estava me jogando.
- Até parece, né, garoto... Nem conheço o cara direito.
- Não seja por isso.

Entusiasmado com o possível romance, Marquinhos logo levantou a ficha do rapaz moreno de cabeça raspada. Romeu morava numa quitinete em Copacabana com mais três sarados, todos personal trainers e figurantes da Globo. A família era de Vila da Penha, pai funcionário público aposentado, mãe cabeleireira.
- Vila da Penha?
- É. Algum problema?
- Todos. Minha família me mata se eu me envolvo com um suburbano.
- Pensa bem, dizem que ele... ó... (Marquinhos emparelhou as mãos no ar para em seguida as afastar consideravelmente)

A família de Julieta era do Leblon. Dona Célia e doutor Clóvis criaram a filha única como uma princesa, matriculando-a nos melhores colégios da zona sul. Com algum esforço a garota passou no vestibular para direito na PUC. "Ainda não inventaram melhor lugar para se arranjar um bom partido do que a PUC" era o que sua mãe apregoava. Julieta estava prestes a se formar e ainda não havia descolado um marido a altura dos anseios de sua mãe. Ter um caso com alguém como Romeu só faria a velha enfartar. Apesar disso e convencida pelos argumentos do amigo, Julieta resolveu investir no instrutor pobretão. Romeu, que um tinha um quê de garoto de programa, não resistiu à corte dissimulada de Julieta, que ia para a academia com o Audi 98 do pai delegado, e a convidou para sair. Em uma semana, o romance estava engatado. A garota passou a chegar tarde todas as noites, cheirando a vestiário de academia. Dona Célia, que não era burra, logo percebeu o que estava acontecendo.
- Julieta, quem você está namorando?
- Um garoto da academia. - Julia respondeu e tentou sair rapidamente antes que a mãe pudesse fazer a próxima pergunta. Tarde demais.
- O que ele faz da vida?


Em vez de inventar uma mentira qualquer, Julieta chamou a mãe de vaca controladora e se trancou no quarto chorando. Dona Célia, horrorizada, contou ao marido o que estava acontecendo. O delegado convocou uns amigos para dar uma lição no vagabundo. Quando Romeu chegou em Vila da Penha com alguns molares a menos, a mãe dele não se conteve. Foi até o Leblon e rolou o barraco. O resultado foi Dona Célia no Copa D'Or com hematomas e um par de costelas fraturadas. As famílias estavam em pé de guerra. E no meio desse conflito, o amor de Romeu e Julieta.
- Larga essa patricinha, ela é só confusão. - era o que os amigos de Romeu diziam.
- Tá louco? Já viram a bunda dela? E ela curte anal. Nunca vi uma mulher curtir tanto dar o cu.

Pelo lado de Julieta, a coisa não era diferente. Edneide, a empregada, aconselhava:
- Garota, escuta tua mãe. Isso não vai dar em nada. Daqui a pouco esse vagabundo te dá um pé na bunda e tu vai ficar chupando o dedo.
- Não te mete, sua invejosa! Vocês não conhecem o Romeu. Ele é super romântico, vai tatuar meu rosto no bíceps. Ele me ama. O amor vale mais que dinheiro, status e posição social.
- Yeah, right... (Edneide tinha sido babá por 10 anos nos Estados Unidos)

Por precaução, Dona Célia mandou trancar a garota em casa. Queria evitar qualquer forma de comunicação com o suburbano filho-da-puta. O único contato que a garota tinha com o mundo exterior era com o Marquinhos, através do ICQ:
- Ju, tua mãe é Capricórnio, muito terra, materialista.
- Eu sei.
- Esse tipo de pessoa precisa de um choque, sabe? Algo que mostre que existe algo mais na vida que dinheiro.
- Me ajuda, please!
- Calma, amiga. Eu tenho um plano. Qual é a coisa que tua mãe mais valoriza acima de tudo? Mais que dinheiro?
- Eu?
- Exato.

Marcos, que, além de bicha alcoviteira, era médico, explicou seu plano. Eles simulariam um suicídio cinematográfico, com direito a bastante pílulas "Uma coisa bem Marilyn Monroe". Ele prescreveu à amiga drogas que induziriam a um estado cataléptico. Assim, quando Edneide entrou no quarto, encontrou a garota aparentemente morta. A notícia logo se espalhou e chegou aos ouvidos do Romeu:
- Puta, que garota louca! Ainda bem que me livrei dela.
A família nem avisou à polícia. Providenciaram um funeral rápido e discreto. Quando Julieta acordou já estava debaixo da terra.


 
As Cinco Flechas da Princesa

Existiu há muito tempo atrás uma mulher perfeita. Ela era uma princesa de um grande reino e conhecida por toda a terra por suas qualidades. Seus cabelos eram como fios de ouro descendo da fronde e sua pele era clara como a Lua, quando esta está plena. A jovem era tão versada nas artes quanto na guerra. Manuseava a pena e a espada com igual maestria. Era também bondosa com seus súditos e caridosa com os desafortunados. Todos os que a conheciam amavam e admiravam-na. A princesa, contudo, não era feliz. Nunca tivera um amor em sua vida e isto machucava seu coração gentil. Os anos iam se passando e a donzela, desesperada, buscou a ajuda de uma bruxa. A bruxa ouviu a história da princesa e se dispôs a ajudá-la. Deu a ela cinco flechas mágicas e a seguinte orientação.

- Sobe a torre mais alta de teu reino e atira uma das flechas em qualquer direção. Onde a flecha cair tu irás encontrar um homem que poderá ser teu amor. Lembra-te que a flecha só aponta o caminho. O teu destino é tu que escolhes.

A princesa ouviu atentamente as palavras e cumpriu as orientações. Do alto da torre, empunhou o arco, mirou o sul e lançou sua primeira flecha. A flecha foi cair na humilde fazenda de um camponês. Este era um rapaz forte, bonito e trabalhador. A princesa se encantou com seu jeito simples e honesto de viver e com ele passou uma semana. Ao final de uma semana, ponderou.

- Não posso passar minha vida com ele, por mais adorável que seja. Como ele irá sustentar todos os meus luxos e caprichos sendo tão pobre e sem futuro.

Subiu novamente a torre e desta vez mirou o norte. A flecha caiu junto a um cavaleiro andante. Um homem tão hábil nas armas e tão formoso quanto à ainda donzela. Juntos eles passaram uma semana, na qual ela aprendeu que ele lutava contra o mal que grassava sobre a terra e que havia solenemente jurado vagar o mundo erradicando a heresia e a injustiça. Novamente, a princesa refletiu.

- Ele é nobre e de bom coração. Sua luta é justa, contudo, deixa-me em segundo plano. Juntos seríamos como se fossemos separados. E eu estaria tão sozinha como sempre fui.

Subiu a torre e mirou o leste. O alvo acertado era um jovem trovador. Tão logo, ele a viu, pegou seu alaúde e improvisou a mais bela canção de amor que ela ouviu. A princesa se encantou com a cultura e a sede de saber do músico. Passaram a semana toda entre partituras, poemas, quadros, esculturas e livros. No sétimo dia, ela pensou.

- Este jovem menestrel realmente me impressiona. De tudo sabe e de tudo quer saber. Nunca encontrei alguém com quem pudesse debater por horas a fios sobre tantos assuntos. Entretanto, uma vida dedicada a livros fez dele um homem fraco. Quem irá me defender diante dos perigos da vida?

Voltou a torre e lançou a quarta flecha em direção oeste. Esta caiu no castelo de um rei viúvo. Anos de treinamento e guerras o tornaram um mestre-de-armas. Apesar de ser avançado em idade, era ainda forte como um touro e ágil como um gato. Seu reino era a Meca de todos os artistas das redondezas, porque o rei amava as Artes e era um mecenas dedicado. Rico como nenhum homem a princesa encontrara antes, ele, no entanto, cultivava uma vida de hábitos simples, acordava cedo e comia frugalmente. A semana em que a jovem passou com ele foi a melhor de todas até então. Ao cabo do período, ela pôs-se a pensar:

- Nunca vi homem tão perfeito. Forte e mesmo assim gentil. Um guerreiro com o coração de um poeta. Tão poderoso e ainda assim tão simples. Contudo já é bastante idoso. Não o teria por muito tempo e sua perda só me jogaria para o estado em que estou agora.

E lá se foi ela para torre. Do alto dela, olhou os campos, florestas e montanhas ao redor. Empunhou o arco, ajeitou a flecha e retesou a corda. Fitou o norte, o leste, o sul e o oeste. Pensou nos quatro últimos homens que conheceu. Depois de um longo suspiro, derrubou o arco no chão. Desistiu da busca.

A última flecha, a princesa guardou para si por toda a vida e a usava ocasionalmente para se masturbar.



 
O pessoal da faculdade não ia muito com a cara da Suzana. A garota era bonita demais. E sabia disso. Suzana sempre foi uma loira gostosa de fazer as meninas babarem de inveja. E os garotos, de tesão. A beleza somada com a arrogância afastava a mulherada de Suzana. Para piorar, quando uma delas arranjava um namorado, Suzana logo tratava de estragar o romance ficando com o garoto no banheiro da faculdade e fazendo com que todo mundo soubesse.

Aos 22 anos de idade, Suzana descobriu que tinha desenvolvido um câncer. Desde então, a menina se apagou. Não tinha mais a mesma graça, o mesmo brilho. Nem vontade mais de trepar no banheiro tinha. Estava emagrecendo assustadoramente. As garotas da faculdade nem se importaram. Continuavam a tratar com nojo e raiva. A única alma piedosa que conseguia vencer a barreira em volta de Suzana, foi Alessandra. Foi durante um intervalo entre as aulas, que perguntou:

- Menina, qual é a dieta que você tá fazendo? Tá ficando magérrima!
- É câncer. (Alessandra rolou de rir. Diferente de Suzana, que completou) É sério, garota...

Alessandra era gorda. E sem noção. Não tinha amigo algum até então. As duas se tornaram inseparáveis. Alessandra ia sempre à casa de Suzana. As duas se deram muito bem. Viam filmes, trocavam elogios, dividiam Matte Leão e pão de queijo. A gorda era muito tátil e fazia questão de cobrir a amiga de carinho, beijos e abraços. Com a doença piorando, Suzana precisou de um ombro amigo para chorar suas mágoas. A sempre presente Alessandra estava lá para ouvir. Entre muitas lágrimas e soluços, Suzana contou que não tinha dinheiro para mais nada. Não tinha nem mais roupas que coubessem. Toda a grana era usada com médicos e remédios. A amiga não falava nada. Assentia com a cabeça e continuava dando beijos e abraços na amiga, que agora chorava. Suzana se emocionou:

- Obrigado por tudo, amiga. (Suzana jamais tinha chamado alguém de amigo)
- Pare com isso. Sei que quando eu pegar câncer, você vai fazer o mesmo por mim.
- Que isso, Lê? Câncer não se pega.
- Não pega? E só agora que você me avisa? (Enche a boca de pão de queijo) Merda, acho que vou ter que voltar pra dieta mesmo.


 
O Carvalho e os Juncos

Há muito tempo atrás em uma floresta, havia um belíssimo carvalho. Todas as plantas ao redor o admiravam. Umas invejavam sua madeira dura. Outras, sua copa frondosa que quase alcançava o céu. A sombra refrescante, a vida que se abrigava em seus galhos, o respeito quase religioso que os homens tinham por ele. Toda essa admiração, inveja e respeito tornaram a árvore extremamente orgulhosa e dona de si. Ele fazia pouco caso dos outros vegetais vizinhos. Zombava de suas fraquezas. Ria de seus defeitos. Seu alvo preferido era um grupo de juncos que brotava em uma lagoa próxima.
- Reles criaturas, como se atreveis a expor vossa feiúra e fraqueza tão próximos de mim? Esses vossos corpos moles que nada agüentam. Essa pobreza de folhas que só serve de guarida para ovos de sapo. Já perdi meu tempo demais com vocês, seres rasteiros. Desaparecei de minha frente.
Os juncos nada respondiam. Se os tivessem, dariam de ombros às sandices do carvalho fanfarrão.
Os anos passavam, a árvore cada vez crescia mais em tamanho, força e beleza. E seu orgulho crescia junto. Volta e meia o carvalho saía de seus devaneios autocontemplativos e despejava sua soberba sobre os pobres juncos.
- Ainda estão aí, vis vegetais? Não acredito que nenhuma vaca os tenha feito de pasto. Ou será que nem como pasto vós tendes serventia?
A resposta, como sempre, era um silêncio resignado.
Eis que, durante a noite, uma tempestade feroz se abateu sobre a floresta. Ventos furiosos rugiram a noite toda, acompanhados pelo ribombar dos trovões e pelas chuvas incessantes. Quando o dia amanheceu e o temporal amainou, pode se perceber o tamanho dos estragos. Centenas de árvores abatidas, raízes expostas, jaziam pelo chão. Entre elas, o orgulhoso carvalho.
O mais velho dos juncos, que graças a sua flexibilidade haviam escapados intactos, aproveitou a chance e se pronunciou.
- Vejam irmãos, nosso poderoso amigo, veio se juntar a nós cá no chão. De que adiantou toda a dureza de sua madeira, toda a força de seus galhos, sua altura gigantesca. Eis ele aqui caído. Em breve, fungos e vermes crescerão em seu lenho apodrecido. O poderoso carvalho sucumbiu à tempestade. E nós, fracos e rasteiros, somos os vitoriosos.
O carvalho, ainda vivo, ouviu essas palavras. Juntou todas as forças que lhe restavam e antes de seu derradeiro suspiro, declarou.
- Vão se foder, todos vocês.


 
O Escorpião, o Sapo e o Porco-Espinho

Estava o Escorpião tentando atravessar um lago. Esse era muito fundo e o Escorpião não sabia nadar. Vendo que o Sapo estava por perto, resolveu pedir ajuda. O Sapo ficou temeroso. Sabia que o suplicante era um animal extremamente perigoso e traiçoeiro e se recusou a acudi-lo.
- Não seja tolo, Sapo. Se algum mal te fizer durante a travessia, eu também sucumbiria, morrendo afogado.
O Sapo, vendo que o invertebrado tinha razão, se preparou para carregá-lo nas costas.
Eis que de súbito o Porco-Espinho, vindo do nada, saltou sobre o anfíbio, cravejando-o com seus espinhos. O Escorpião viu atônito sua carona morrer se esvaindo em sangue.
Olhou consternado para o Porco-Espinho.
- Porra! Por que fodeste a minha fábula?
- Porque esta é a minha natureza.


 
A velha que tentava agradar os pombos

Havia uma velhinha muito solitária cujo hobby era dar comida a pombos. Todo o dia, diletantemente, ela se acordava, enchia um saco de milho (era milho bom, ela fazia questão de qualidade) e se punha na praça a alimentar os penosos. Uma meia dúzia de pombos pingados aparecia. Eram poucos. A velha tinha milho para muitos. Ela olhava para aquela turma rarefeita, suspirava resignada e lançava os grãos ao chão.
Cada dia havia menos pombos. Alguns só apareciam por que achavam a velha simpática. Mas não queriam saber do milho abundante dela não. Preferiam brigar a tapa por um grão qualquer de gergelim caído na calçada de um Mcdonalds próximo.
A velhinha, por mais que se esforçasse em agradar, ao não obter sucesso, entrou em crise. Um lado dela dizia para abrir uma franquia do Mcdonalds e o outro a mandava se vingar da corja ingrata. Ela sentou-se à mesa, pegou um papel e pôs-se a fazer as contas. Veneno de rato era muito mais barato.