Escrito por F. Boehl e Phelipe Cruz




::Arquivo


Rio de Janeiro, Brasil



[Powered by Blogger] Site Meter

 
Tereza nasceu na Ilha do Governador. A mãe professora de inglês, o pai jornalista. Era uma família educada. Aberta para o mundo. Fechada para a Ilha. Tereza odiava aquele lugar (e aquela gente) com todas as forças. Odiava festa de aniversário com cajuzinho, odiava o próprio cajuzinho, odiava fumar maconha na praia poluída da baia, odiava Lulu Santos. Fez vestibular para a PUC, apesar da UFRJ ser pertinho. Queria estudar na Gávea mesmo.
- Mas a PUC é tão cara, Tereza.
- Foda-se, papai. Eu não vou estudar em um mangue nojento. Já não basta morar em um?

Tereza se deu bem na faculdade. Fez amigas patrícias que a ajudaram a esconder as suas origens. Dormia na casa de uma, de outra e assim aos poucos foi deixando de visitar os pais. Os pais não ligavam muito, assim eles eram livres para fazer tudo aquilo que a filha sempre taxava de coisa de suburbano.
Tereza conheceu Renato na PUC. Ele era goiano, filho de fazendeiros. Rico. Culto. Viajado.
- É com esse que eu caso!
E se casou. A família nem foi convidada para o casamento. A cerimônia foi uma pedra no passado classe média da menina. Agora ela pertencia à high society. Montou um apartamento em São Conrado cheio de móveis e objetos de designers famosos. Tinha um espremedor do Starck. Almoçava no Celeiro. Jantava no Carlota. Dirigia um New Beetle. Escrevia e-mails num iMac. Passava os fins-de-semana em Angra.

Era feliz. Até o dia que encontrou Renato de quatro sob o seu Adilson, o zelador. Iniciou um escândalo. Renato arqueou as sobrancelhas e calmamente disse:
- Tereza, não me venha com essa sua moral suburbana.
Tereza arregalou os olhos e ficou quieta. Saiu do quarto e sentou-se em sua cadeira irmãos Campana. Renato a pegara em seu calcanhar-de-aquiles. Agora fazia o que bem entendia sem que a esposa pudesse reclamar. Inclusive cobrir o pau com cajuzinho para Tereza chupar.


 
Leonardo e Tiago trabalhavam juntos. Leonardo feio, o outro bonito. Leonardo fracassado, o outro bem sucedido. O garoto queria ser importante. Queria ser igual a Tiago. Ficaram amigos. Almoçavam juntos. Tiago era simpático. Ouvia Leonardo com paciência. Já sabia de todos os bens do novo amigo sem ao menos perguntar. Mas Tiago não era inocente. Sentia que Leonardo tinha complexo de inferioridade e que precisava se valorizar constantemente: "Eu moro em Belford Roxo mas eu tenho carro. Eu tenho dinheiro. Minha casa é três vezes maior que a de qualquer otário que mora na zona sul do Rio. E é três vezes mais barata".

Tiago só sorria e pensava: "Prefiro uma Gisele Bundchen de C&A a uma Carla Perez de Prada". Sim, Tiago era gay. E não parava de receber cantadas quando ia de metrô para o trabalho. Leonardo tinha desistido de ir de carro para o serviço. Tinha que estacionar longe e nenhuma garota via o trabalho que ele tinha polindo o carro durante todo o fim de semana: "O metrô! O segredo do Tiago é o metrô", foi a conclusão que chegou.

Na semana seguinte, foi de metrô. Chegava no trabalho e falava alto no corredor, contando sobre a "maluca" que não parava de olhar para ele. A secretária, percebendo as novas roupas que ele tinha comprado, brincava:

- Nossa, Leonardo. Vamos em que festa?
- Ih, essa roupa aqui eu catei lá no armário, assim, do nada.
- Nunca te vi com ela...
- Porra, isso é óbvio! Eu tenho muita roupa. Você não tem idéia...

Os telefonemas eram todos para Tiago. E Leonardo queria sempre saber quem era. "Ah, um amigo meu, uma amiga minha...", Tiago respondia. O garoto de Belford Roxo começou a comprar os mesmos discos que Tiago comprava na hora do almoço. Os mesmos livros. E na semana seguinte, teve uma luz. "Será que ele é gay? Ele nem fala de mulher". Começou a desconfiar de Tiago. Depois, percebeu que todo mundo já sabia. Menos ele. Aquilo já era demais. "Que nojo. Assim não dá pra competir. O cara tá indo longe demais", pensava.

Mas no sábado, foi parar numa boate gay. Encheu a cara e beijou mais de três homens. Um deles, Eurico, atencioso, chegou a conversar com Leonardo. Ouviu tudo o que o garoto queria contar: como era bom morar em Belford Roxo, ter uma casa tão grande, com televisões cinematográficas, computadores, quadros valiosos e carros. Desabafou sobre a sua amizade com Tiago. O quanto admirava o colega de trabalho, o quanto queria ser igual a ele e o quanto o invejava. No carro, chegou a chorar. Jorge, que também morava no mesmo bairro, tinha achado um perdido. Disse que dirigia o carro e o deixava em casa. Subiram as escadas tropeçando no escuro. Leonardo se jogou na cama e lá adormeceu. Foi o tempo suficiente para que Eurico levasse tudo.

No dia seguinte, Leonardo não olhava na cara do Tiago. Na cozinha, chegou a derramar café quente na camisa branca do amigo, que logo respondeu: toma cuidado, Cinderela.


 
Flávia e Fernando se encontraram na fila do buffet, em frente aos bifes à parmiggiana. Não se viam há tempos e trataram de pôr as novidades em dia:
- Flavinha, beleza? Como tá o Gustavo?
- Gustavo já era. Mandei passear.
- É mesmo? Tá solteira?
- Tô com o César, mas vou terminar. Muito galinha.
- Que coisa...
- Pois é, homem não presta! Não tem um que valha a pena!
- Você acha?
- Não é verdade? Ou é pobre, ou é gordo, ou é velho. Por que não pode ser lindo, sarado, rico, carinhoso, inteligente e fiel?
- Quem muito escolhe, pouco acerta.
- O que você quis dizer com isso?
- Nada. Tô falando dos bifes. Pega um logo. O povo da fila já tá reclamando.



 
O pior defeito

A firma em que Alexandra trabalhava quebrou. Agora a garota estava à procura de emprego. Na primeira entrevista que foi, o cara perguntou qual era seu maior defeito.
- Perfeccionismo - foi o que ela respondeu.
O entrevistador, já acostumado com esse tipo de resposta clichê, resmungou qualquer coisa e se despediu de Alexandra.
Vendo que deu mancada, a desempregada resolveu usar de honestidade na próxima entrevista. Quando perguntada sobre seu pior defeito, não pensou duas vezes:
- Preguiça.
O entrevistador ergueu o canto da boca, reprovando o comportamento e a candidata.
Na entrevista seguinte, a mesma pergunta fatídica de novo. Alexandra mordeu o lábio inferior, jogou o rosto pra frente e olhando nos olhos do entrevistador respondeu:
- Eu sou uma garota muito, muito má.
E assim conseguiu o emprego.



 
- Eu não agüento mais nossa relação!
Raul não acreditava no que via. Eliane de mala na mão, saindo pela porta afora. Era o fim de um casamento de cinco anos. Tá certo que a mulher tinha síndrome do ovário policístico e que não transavam desde o Natal. Mas mesmo assim, aquilo o magoou. Ele não esperava por aquilo. Aliás, nada na vida dele era o que ele sonhava. Pensava que aos 28 anos, seria um grande jornalista, um correspondente internacional ou até mesmo um poeta talentoso como o Pedro Bial. Que teria uma mulher linda, várias amantes, um BMW na garagem e uma cobertura na Sernambetiba. Mas a vida foi sacana. E Eliana não podia sair assim, do nada. Raul tinha que intervir:
- Ô, onde você pensa que vai com o meu CD da Norah Jones?


------------------------------------------------

- Eu não agüento mais nossa relação!
Foi o grito de independência de Eliana. Era o fim de um casamento de cinco anos que só a deixou mais gorda, mais mal-humorada e mais frustrada. Não queria mais aquilo. Queria ser outra pessoa, diferente. Chega de se lamuriar, de sofrer. Queria ser aquela mulher que sempre sonhou. A mesma que conheceu Raul na faculdade de jornalismo e que queria ter passado a lua de mel em Paris e não em Teresópolis. Pegou as malas, foi para rua e ligou para Suzana, que trabalhava no Globo:
- Oi, posso ficar ai contigo? Eu e o Raul nos separamos.
A amiga, lésbica, adorou a notícia:
- Não te preocupa, vai dar tudo certo. Você pode ficar aqui o tempo que quiser. E aquela vaga no meu departamento ainda tá de pé, viu?
Eliana passou aquela noite na cama de Suzana. Transaram ao som de KD Lang. E era muito melhor que Norah Jones.



 
O dia em que Bárbara foi apresentada para a ironia.

- Oi, prazer...como que eu pude ficar tanto tempo sem te conhecer?
- Pois é...eu sou pra poucos.
- Mas e aí? Tá a fim?
- Claro!
- Sério?
- Claro que não, garota!